
Empresa fala em investir até US$ 5 bilhões em fábrica de aço no Maranhão
Há muitos aspectos polêmicos no megaprojeto que a recém-criada Cia. Siderúrgica do Mearim (CSM), do grupo Aurizônia Empreendimentos S/A, afirma querer instalar em Bacabeira (MA), a 48 km de São Luís, com apoio do Governo do Maranhão.
Uma das principais dúvidas resulta do contraste entre as dimensões do projeto — maior que qualquer outro do setor siderúrgico nacional — e o porte proporcionalmente até modesto do grupo empreendedor.
A CSM anuncia a intenção de fabricar, dentro de seis anos, nada menos que 10 milhões de toneladas anuais de placas e outros produtos de aço para exportação, o equivalente a quase um terço de todo o aço bruto produzido no Brasil em 2006, 30,9 milhões de toneladas. O investimento, de cerca de 4,5 bilhões de dólares (quase R$ 8 bilhões), geraria um faturamento de R$ 6 bilhões por ano. Entretanto, o grupo Aurizônia, uma ex-sociedade por quotas de responsabilidade limitada que em 2004 transformou-se em sociedade anônima, declara um capital social integralizado de apenas R$ 18,5 milhões.
No material de propaganda distribuído em recente audiência pública, a CSM informa que principais ativos do grupo são as empresas Aurizônia Petróleo Ltda, Analytical Solutions, Potióleo e Mineração Caraíba. A mais tradicional e robusta seria a baiana Caraíba, mineradora e beneficiadora de cobre, “maior empresa de mineração do Nordeste, com patrimônio avaliado em R$ 560 milhões e faturamento da ordem de R$ 160 milhões”, segundo a CSM. Uma visita ao saite da Arizônia, entretanto, mostra que o controlador da Caraíba é a holding MSB Participações, com 84% das ações. A Aurizônia detém apenas 33,33% do capital da MSB, ou menos de 28% da Caraíba.
Ainda assim é um ativo importante. Ex-estatal privatizada em 1994, no ano seguinte a Caraíba ainda encarava a perspectiva de encerrar suas atividades em 2007. Mas a súbita explosão do preço internacional do cobre asseguram-lhe a sobrevida até pelo menos 2021, diz o saite especializado Brasil Infomine (http://brasil.infomine.com), citando fonte da empresa.
Sonho sem dinheiro
Segundo os dirigentes da CSM, 60% dos recursos necessários ao projeto do Maranhão virão de organismos internacionais (Banco Interamericano de Desenvolvimento e Banco Mundial) e do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social). O resto será “levantado no mercado de capitais”, junto aos fundos de pensão e outros investidores. Mas tudo isso só será possível depois que o projeto receber do Estado do Maranhão o licenciamento ambiental prévio. Por enquanto não há contrato nem contato com nenhum desses supostos parceiros ou financiadores. Tampouco está assegurado ou prometido o “carvão mineral dos Estados Unidos” — para servir de redutor na produção de ferro-gusa, primeira etapa na fabricação do aço — ou mesmo o minério de ferro da Cia. Vale do Rio Doce. Consultada, uma fonte da Vale em São Luís resumiu tudo numa frase: “A Vale não tem nada com isso”.
Ao explicar como a CSM pretende obter os recursos, José Gurgel do Amaral, coordenador do empreendimento (que também se apresenta como apenas “consultor”) chegou a dizer que o grande ativo da empresa “é o projeto”. E que o complexo siderúrgico do Mearim, “por enquanto, é apenas um sonho”. Só dará os primeiros passos na realidade após o licenciamento ambiental. “Precisamos do licenciamento”, insiste.
Avanço discreto
Inexiste precedente de grande projeto siderúrgico que tenha se materializado a partir de tão pouco. Empresários maranhenses, falando em off, suspeitam que a CSM pretenda obter o licenciamento — que envolve diversos aspectos polêmicos — para depois negociá-lo com capitalistas estrangeiros, que não gostariam de “mostrar a cara” num primeiro momento, para evitar contestações e repercussão negativa. Um desses empresários diz ter sabido que o grupo Aurizônia apenas abriria caminho para a transnacional sul-coreana Posco, quinta maior corporação siderúrgica do mundo.
Não foi possível confirmar a hipótese Posco com outra fonte, mas ela é verossímil na essência. Nos últimos dois anos, a siderúrgica chinesa Baosteel, associada à Vale do Rio Doce, tentou implantar uma fábrica de placas de aço no distrito do Itaqui, em São Luís. A Vale acenava com um “pólo siderúrgico” que adiante envolveria a francesa Acelor (hoje incorporada pela indiana Mittal), a coreana Posco, a alemã Thysen e outras siderúrgicas de porte mundial.
A intenção tinha o apoio do governo do estado, da prefeitura da capital, das associações dos empresários, da Assembléia Legislativa e da Câmara Municipal, além do consentimento das principais correntes políticas. Mesmo assim foi barrada por movimento ambientalista, por iniciativas do Ministério Público e pela resistência de parte das 14 mil pessoas residentes na área onde seria locado o empreendimento (rapidamente convertida de área residencial em “distrito siderúrgico” por iniciativa da prefeitura, aprovada pela Câmara). Daí a suposta “intermediação” da CSM no projeto de Bacabeira. Ela garantiria uma tramitação mais discreta e tranqüila no processo de legalização prévia da usina.
Se a versão for verdadeira, a manobra vem dando certo. No dia 19 de Outubro, quando a Secretaria do Meio Ambiente realizou audiência pública para apresentação do EIA-RIMA (Estudo e Relatório de Impacto Ambiental), numa sala do Hotel Rio Poty, bairro da Ponta d’Areia, em São Luís, não havia na sala um só representante do Ministério Público, nem dos 42 deputados estaduais. Dos 21 vereadores da capital, somente Marília Mendonça (DEM) esteve lá. Para comparar, até dez vereadores de uma só vez chegaram a participar de audiências públicas convocadas para discutir o projeto BV (Bao & Vale), sem contar a que se realizou no próprio recinto da Câmara e outra na Assembléia. Pelo menos 300 pessoas transbordaram do auditório da sede das promotorias da capital, na maior das seis audiências do projeto BV, realizada pela prefeitura.
Rio ameaçado
Um dos principais argumentos contra o projeto BV, entretanto, vale também contra o da CSM. Apesar do nome, a Cia. Siderúrgica do Mearim quer usar as águas do rio Itapecuru, hoje responsável por mais de 50% ou até 60%, segundo algumas fontes, da água consumida pela população de São Luís. Outros 47 municípios da bacia hidrográfica do Itapecuru, onde vive quase metade dos 6 milhões de maranhenses, se abastecem de suas águas.
Geólogos, ambientalistas e outros setores sociais são contra o projeto dito de “duplicação” da adutora do Italuís, que hoje transporta para a capital 2,5 m3 de água por segundo. Com o chamado Italuís 2, a produção alcançaria primeiramente 5,2m3, apenas na primeira etapa. Segundo a Associação dos Geólogos do Maranhão e a Associação Brasileira de Águas Subterrâneas, não há estudos conclusivos que justifiquem a necessidade da obra ou assegurem as cautelas ambientais. Ambientalistas destacam a ameaça de “matar o rio” ou enfraquecê-lo gravemente.
Em 2002, num discurso, o senador e ex-governador maranhense Edison Lobão (DEM, ex-PFL), citando dados do IBGE, advertiu que a vazão do rio (seu volume de descarga no mar) tinha caído de 200m3 por segundo, no início dos anos 90, para apenas 140m3, uma perda de 30%. Isto se deve, segundo o senador “à pesca predatória, a urbanização desordenada, a destruição dos manguezais, o desmatamento contínuo das margens, o despejo de agrotóxicos, e o lançamento de esgotos industriais e domésticos”. A Associação do Ministério Público do Maranhão solidarizou-se com o alerta do ex-governador, o qual, entretanto, numa aparente contradição, pouco depois viria a apoiar o projeto de aumentar a anemia do Itapecuru para pô-lo a serviço do planejado consórcio transnacional sino-brasileiro.
A mesma questão volta à tona agora, quando o projeto CSM pretende que o Itapecuru, lhe forneça 1,2 m3 de água por segundo (valor porém não relatado como resposta a uma pergunta de Renato Viana Waquim, estudante da UFMA durante audiência pública em Rosário). “Não há garantia de que isso possa ser feito sem comprometer a segurança hídrica da população de São Luís e municípios vizinhos”, adverte o advogado Guilherme Zagallo, coordenador de um movimento ambientalista constituído por dezenas de entidades, o “Reage, São Luís”. Com apoio das associações dos geólogos, ele lembra que os estudos de vazão considerados no EIA-Rima da CSM são dos anos 70, e que desde então já se passaram mais 30 anos de degradação ambiental. Seu argumento parece ainda mais forte quando se lembra que os técnicos da secretaria estadual do Meio Ambiente (Sema) que emitiram parecer favorável à concessão da licença do Italuís 2 estão sendo processados pelo Ministério Público do Maranhão por improbidade. O MPM constatou que a conclusão dos especialistas da Sema — aparentemente obtida por pressão superior — contraria os próprios estudos realizados pela secretaria. Há indícios até de que a conclusão foi adulterada ou substituída, resultando em contradição com as demonstrações do laudo.
Outra contradição aconteceu ainda na Audiência Pública de Rosário após Renato Waquim perguntar "qual será o volume de água retirado do Rio Itapecuru para abastecer o Pólo Siderúrgico", A CSM e o Othelino Neto secretário estadual de meio ambiente respoderam que o volume de água seriam apenas 10% do que seriam retirado pela Italuís 2, confirmando que água seria retirado do Italuis e não de uma futura Italuis 2. "É triste perceber que o governo do estado não tem conhecimento do que pretende implantar entre dois rios/estuários no norte do Maranhão, irreponsabilida socio-ambiental movida a interesses políticos", afirmou Renato Waquim.
A região onde a CSM quer fincar sua bandeira fica numa espécie de mesopotâmia, confinada pelos rios Mearim e Itapecuru, o primeiro bem mais caudaloso e com maior vazão do que o segundo. Ainda não foi explicado por que o projeto não optou pelo Mearim, salvo que nessa hipótese os empreendedores teriam que assumir o custo de construir uma adutora, ao passo que no Itapecuru esse investimento está na programação do Estado desde o início dos anos 90. Uma adutora no Mearim, segundo algumas fontes, poderia custar uns R$ 500 milhoes. Mas isso não parece grande coisa quando se considera a facilidade com que a CSM aumenta ou diminui suas projeções de investimento. Na audiência pública falou-se em US$ 4,5 bilhões. Noutras ocasiões, em US$ 4,2 milhões. Mas também podem ser os “até US$ 5 bilhões” anunciados por Gurgel e pelo coronel Tarcísio Nunes Ferreira, diretor de assuntos institucionais do projeto, em visita aos jornais de São Luís no último dia 15.
“Quem acha que a vazão do Itapecuru diminuiu não deve ficar na declaração, deve medi-la cientificamente e dizer qual é a vazão atual”, contrapõe o biólogo Márcio Vaz, professor da Universidade Federal do Maranhão (UFMA), que participou da audiência pública como consultor da CSM e que endereça seu desafio especialmente aos geólogos. Ele também contesta como não-científica a objeção de que o EIA-Rima subestima a ocorrência de “calmarias” (ausência de vento), durante o período de chuvas mais intensas em São Luís e adjacências, o que tornaria a região mais vulnerável aos efeitos da poluição ambiental, por dificultar a dispersão de gases e elementos particulados.
Zagallo, entretanto, baseia-se em dados do Inemet (Instituto Nacional de Meteorologia), obtidos entre 1931 e 1958 e apresentados em estudo de impacto ambiental pela Vale. Segundo essa pesquisa, a ocorrência de calmarias em São Luís e adjacências alcançou 31,7% na média anual, chegando a 57,7% no mês de abril. A CSM usa dados de estudiosos da UFMA, baseados em dois anos de medição, que identificam apenas 4,9% de calmarias. Não há mesmo como conciliar informações tão discrepantes.
Imposto fictício
Dos mais de 20 questionamentos ou reparos formulados por Zagallo, somente dois foram reconhecidos como corretos pelos representantes da CSM. Um corrigia erro de revisão numa referência à taxa de mortalidade infantil na área do projeto (1.000 por 1.000, segundo o EIA-Rima da Cal Consultores, o que nem o Herodes de São Mateus conseguiria). Outro desmentia a promessa dos empreendedores de “gerar ICMS” para o estado com a exportação de seus produtos siderúrgicos. Foi engano, admitiu Gurgel, já que a lei complementar 87/96 (lei Kandir) desonerou a exportação de produtos industriais semi-elaborados, como é o caso das placas de aço.
Mas o advogado ambientalista vai além. Examinando cuidadosamente o EIA-Rima, ele encontrou outros motivos para apreensão. Os cálculos e plantas apresentados pela CSM informam apenas sobre o que supostamente ocorreria com a produção de 5 milhões de toneladas de aço — primeira das duas etapas do projeto — mas o pedido de licença é para 10 milhões de toneladas. O EIA
afirma que as emissões de poluentes ficariam abaixo do limite máximo
permitido pelo Ibama, o que “neutralizaria” o impacto sobre a saúde da
população. “Absolutamente falso”, contesta. “Só haveria ‘neutralização’ se alguma medida impedisse ou anulasse emissão de poluentes”.
Há também, acentua Zagallo, a questão do impacto social em Bacabeira e Rosário, tratado com ligeireza no documento da empresa. Hoje esses dois municípios possuem 32 mil habitantes e uma infra-estrutura urbana não mais que precária. A fábrica atrairá 15 mil trabalhadores na fase de construção e até 45 mil na de operação, conforme as previsões da CSM. Mas o projeto não cuida sociais compensatórias, como a construção de um hospital público, por exemplo. Ou mesmo de um presídio, já que uma das conseqüências menos desejáveis dessa explosão demográfica, ainda mais em tais condições de pobreza e desassistência, será um brutal aumento na violência e na criminalidade.
http://www.walter-rodrigues.jor.br/
Publicada em: 26/10/2007
Por: Walter Rodrigues
(Edição Final do Rosário Notícias: apenas acrescentou mais dados que constam na ata da audiência de Rosário).
Há muitos aspectos polêmicos no megaprojeto que a recém-criada Cia. Siderúrgica do Mearim (CSM), do grupo Aurizônia Empreendimentos S/A, afirma querer instalar em Bacabeira (MA), a 48 km de São Luís, com apoio do Governo do Maranhão.
Uma das principais dúvidas resulta do contraste entre as dimensões do projeto — maior que qualquer outro do setor siderúrgico nacional — e o porte proporcionalmente até modesto do grupo empreendedor.
A CSM anuncia a intenção de fabricar, dentro de seis anos, nada menos que 10 milhões de toneladas anuais de placas e outros produtos de aço para exportação, o equivalente a quase um terço de todo o aço bruto produzido no Brasil em 2006, 30,9 milhões de toneladas. O investimento, de cerca de 4,5 bilhões de dólares (quase R$ 8 bilhões), geraria um faturamento de R$ 6 bilhões por ano. Entretanto, o grupo Aurizônia, uma ex-sociedade por quotas de responsabilidade limitada que em 2004 transformou-se em sociedade anônima, declara um capital social integralizado de apenas R$ 18,5 milhões.
No material de propaganda distribuído em recente audiência pública, a CSM informa que principais ativos do grupo são as empresas Aurizônia Petróleo Ltda, Analytical Solutions, Potióleo e Mineração Caraíba. A mais tradicional e robusta seria a baiana Caraíba, mineradora e beneficiadora de cobre, “maior empresa de mineração do Nordeste, com patrimônio avaliado em R$ 560 milhões e faturamento da ordem de R$ 160 milhões”, segundo a CSM. Uma visita ao saite da Arizônia, entretanto, mostra que o controlador da Caraíba é a holding MSB Participações, com 84% das ações. A Aurizônia detém apenas 33,33% do capital da MSB, ou menos de 28% da Caraíba.
Ainda assim é um ativo importante. Ex-estatal privatizada em 1994, no ano seguinte a Caraíba ainda encarava a perspectiva de encerrar suas atividades em 2007. Mas a súbita explosão do preço internacional do cobre asseguram-lhe a sobrevida até pelo menos 2021, diz o saite especializado Brasil Infomine (http://brasil.infomine.com), citando fonte da empresa.
Sonho sem dinheiro
Segundo os dirigentes da CSM, 60% dos recursos necessários ao projeto do Maranhão virão de organismos internacionais (Banco Interamericano de Desenvolvimento e Banco Mundial) e do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social). O resto será “levantado no mercado de capitais”, junto aos fundos de pensão e outros investidores. Mas tudo isso só será possível depois que o projeto receber do Estado do Maranhão o licenciamento ambiental prévio. Por enquanto não há contrato nem contato com nenhum desses supostos parceiros ou financiadores. Tampouco está assegurado ou prometido o “carvão mineral dos Estados Unidos” — para servir de redutor na produção de ferro-gusa, primeira etapa na fabricação do aço — ou mesmo o minério de ferro da Cia. Vale do Rio Doce. Consultada, uma fonte da Vale em São Luís resumiu tudo numa frase: “A Vale não tem nada com isso”.
Ao explicar como a CSM pretende obter os recursos, José Gurgel do Amaral, coordenador do empreendimento (que também se apresenta como apenas “consultor”) chegou a dizer que o grande ativo da empresa “é o projeto”. E que o complexo siderúrgico do Mearim, “por enquanto, é apenas um sonho”. Só dará os primeiros passos na realidade após o licenciamento ambiental. “Precisamos do licenciamento”, insiste.
Avanço discreto
Inexiste precedente de grande projeto siderúrgico que tenha se materializado a partir de tão pouco. Empresários maranhenses, falando em off, suspeitam que a CSM pretenda obter o licenciamento — que envolve diversos aspectos polêmicos — para depois negociá-lo com capitalistas estrangeiros, que não gostariam de “mostrar a cara” num primeiro momento, para evitar contestações e repercussão negativa. Um desses empresários diz ter sabido que o grupo Aurizônia apenas abriria caminho para a transnacional sul-coreana Posco, quinta maior corporação siderúrgica do mundo.
Não foi possível confirmar a hipótese Posco com outra fonte, mas ela é verossímil na essência. Nos últimos dois anos, a siderúrgica chinesa Baosteel, associada à Vale do Rio Doce, tentou implantar uma fábrica de placas de aço no distrito do Itaqui, em São Luís. A Vale acenava com um “pólo siderúrgico” que adiante envolveria a francesa Acelor (hoje incorporada pela indiana Mittal), a coreana Posco, a alemã Thysen e outras siderúrgicas de porte mundial.
A intenção tinha o apoio do governo do estado, da prefeitura da capital, das associações dos empresários, da Assembléia Legislativa e da Câmara Municipal, além do consentimento das principais correntes políticas. Mesmo assim foi barrada por movimento ambientalista, por iniciativas do Ministério Público e pela resistência de parte das 14 mil pessoas residentes na área onde seria locado o empreendimento (rapidamente convertida de área residencial em “distrito siderúrgico” por iniciativa da prefeitura, aprovada pela Câmara). Daí a suposta “intermediação” da CSM no projeto de Bacabeira. Ela garantiria uma tramitação mais discreta e tranqüila no processo de legalização prévia da usina.
Se a versão for verdadeira, a manobra vem dando certo. No dia 19 de Outubro, quando a Secretaria do Meio Ambiente realizou audiência pública para apresentação do EIA-RIMA (Estudo e Relatório de Impacto Ambiental), numa sala do Hotel Rio Poty, bairro da Ponta d’Areia, em São Luís, não havia na sala um só representante do Ministério Público, nem dos 42 deputados estaduais. Dos 21 vereadores da capital, somente Marília Mendonça (DEM) esteve lá. Para comparar, até dez vereadores de uma só vez chegaram a participar de audiências públicas convocadas para discutir o projeto BV (Bao & Vale), sem contar a que se realizou no próprio recinto da Câmara e outra na Assembléia. Pelo menos 300 pessoas transbordaram do auditório da sede das promotorias da capital, na maior das seis audiências do projeto BV, realizada pela prefeitura.
Rio ameaçado
Um dos principais argumentos contra o projeto BV, entretanto, vale também contra o da CSM. Apesar do nome, a Cia. Siderúrgica do Mearim quer usar as águas do rio Itapecuru, hoje responsável por mais de 50% ou até 60%, segundo algumas fontes, da água consumida pela população de São Luís. Outros 47 municípios da bacia hidrográfica do Itapecuru, onde vive quase metade dos 6 milhões de maranhenses, se abastecem de suas águas.
Geólogos, ambientalistas e outros setores sociais são contra o projeto dito de “duplicação” da adutora do Italuís, que hoje transporta para a capital 2,5 m3 de água por segundo. Com o chamado Italuís 2, a produção alcançaria primeiramente 5,2m3, apenas na primeira etapa. Segundo a Associação dos Geólogos do Maranhão e a Associação Brasileira de Águas Subterrâneas, não há estudos conclusivos que justifiquem a necessidade da obra ou assegurem as cautelas ambientais. Ambientalistas destacam a ameaça de “matar o rio” ou enfraquecê-lo gravemente.
Em 2002, num discurso, o senador e ex-governador maranhense Edison Lobão (DEM, ex-PFL), citando dados do IBGE, advertiu que a vazão do rio (seu volume de descarga no mar) tinha caído de 200m3 por segundo, no início dos anos 90, para apenas 140m3, uma perda de 30%. Isto se deve, segundo o senador “à pesca predatória, a urbanização desordenada, a destruição dos manguezais, o desmatamento contínuo das margens, o despejo de agrotóxicos, e o lançamento de esgotos industriais e domésticos”. A Associação do Ministério Público do Maranhão solidarizou-se com o alerta do ex-governador, o qual, entretanto, numa aparente contradição, pouco depois viria a apoiar o projeto de aumentar a anemia do Itapecuru para pô-lo a serviço do planejado consórcio transnacional sino-brasileiro.
A mesma questão volta à tona agora, quando o projeto CSM pretende que o Itapecuru, lhe forneça 1,2 m3 de água por segundo (valor porém não relatado como resposta a uma pergunta de Renato Viana Waquim, estudante da UFMA durante audiência pública em Rosário). “Não há garantia de que isso possa ser feito sem comprometer a segurança hídrica da população de São Luís e municípios vizinhos”, adverte o advogado Guilherme Zagallo, coordenador de um movimento ambientalista constituído por dezenas de entidades, o “Reage, São Luís”. Com apoio das associações dos geólogos, ele lembra que os estudos de vazão considerados no EIA-Rima da CSM são dos anos 70, e que desde então já se passaram mais 30 anos de degradação ambiental. Seu argumento parece ainda mais forte quando se lembra que os técnicos da secretaria estadual do Meio Ambiente (Sema) que emitiram parecer favorável à concessão da licença do Italuís 2 estão sendo processados pelo Ministério Público do Maranhão por improbidade. O MPM constatou que a conclusão dos especialistas da Sema — aparentemente obtida por pressão superior — contraria os próprios estudos realizados pela secretaria. Há indícios até de que a conclusão foi adulterada ou substituída, resultando em contradição com as demonstrações do laudo.
Outra contradição aconteceu ainda na Audiência Pública de Rosário após Renato Waquim perguntar "qual será o volume de água retirado do Rio Itapecuru para abastecer o Pólo Siderúrgico", A CSM e o Othelino Neto secretário estadual de meio ambiente respoderam que o volume de água seriam apenas 10% do que seriam retirado pela Italuís 2, confirmando que água seria retirado do Italuis e não de uma futura Italuis 2. "É triste perceber que o governo do estado não tem conhecimento do que pretende implantar entre dois rios/estuários no norte do Maranhão, irreponsabilida socio-ambiental movida a interesses políticos", afirmou Renato Waquim.
A região onde a CSM quer fincar sua bandeira fica numa espécie de mesopotâmia, confinada pelos rios Mearim e Itapecuru, o primeiro bem mais caudaloso e com maior vazão do que o segundo. Ainda não foi explicado por que o projeto não optou pelo Mearim, salvo que nessa hipótese os empreendedores teriam que assumir o custo de construir uma adutora, ao passo que no Itapecuru esse investimento está na programação do Estado desde o início dos anos 90. Uma adutora no Mearim, segundo algumas fontes, poderia custar uns R$ 500 milhoes. Mas isso não parece grande coisa quando se considera a facilidade com que a CSM aumenta ou diminui suas projeções de investimento. Na audiência pública falou-se em US$ 4,5 bilhões. Noutras ocasiões, em US$ 4,2 milhões. Mas também podem ser os “até US$ 5 bilhões” anunciados por Gurgel e pelo coronel Tarcísio Nunes Ferreira, diretor de assuntos institucionais do projeto, em visita aos jornais de São Luís no último dia 15.
“Quem acha que a vazão do Itapecuru diminuiu não deve ficar na declaração, deve medi-la cientificamente e dizer qual é a vazão atual”, contrapõe o biólogo Márcio Vaz, professor da Universidade Federal do Maranhão (UFMA), que participou da audiência pública como consultor da CSM e que endereça seu desafio especialmente aos geólogos. Ele também contesta como não-científica a objeção de que o EIA-Rima subestima a ocorrência de “calmarias” (ausência de vento), durante o período de chuvas mais intensas em São Luís e adjacências, o que tornaria a região mais vulnerável aos efeitos da poluição ambiental, por dificultar a dispersão de gases e elementos particulados.
Zagallo, entretanto, baseia-se em dados do Inemet (Instituto Nacional de Meteorologia), obtidos entre 1931 e 1958 e apresentados em estudo de impacto ambiental pela Vale. Segundo essa pesquisa, a ocorrência de calmarias em São Luís e adjacências alcançou 31,7% na média anual, chegando a 57,7% no mês de abril. A CSM usa dados de estudiosos da UFMA, baseados em dois anos de medição, que identificam apenas 4,9% de calmarias. Não há mesmo como conciliar informações tão discrepantes.
Imposto fictício
Dos mais de 20 questionamentos ou reparos formulados por Zagallo, somente dois foram reconhecidos como corretos pelos representantes da CSM. Um corrigia erro de revisão numa referência à taxa de mortalidade infantil na área do projeto (1.000 por 1.000, segundo o EIA-Rima da Cal Consultores, o que nem o Herodes de São Mateus conseguiria). Outro desmentia a promessa dos empreendedores de “gerar ICMS” para o estado com a exportação de seus produtos siderúrgicos. Foi engano, admitiu Gurgel, já que a lei complementar 87/96 (lei Kandir) desonerou a exportação de produtos industriais semi-elaborados, como é o caso das placas de aço.
Mas o advogado ambientalista vai além. Examinando cuidadosamente o EIA-Rima, ele encontrou outros motivos para apreensão. Os cálculos e plantas apresentados pela CSM informam apenas sobre o que supostamente ocorreria com a produção de 5 milhões de toneladas de aço — primeira das duas etapas do projeto — mas o pedido de licença é para 10 milhões de toneladas. O EIA
afirma que as emissões de poluentes ficariam abaixo do limite máximo
permitido pelo Ibama, o que “neutralizaria” o impacto sobre a saúde da
população. “Absolutamente falso”, contesta. “Só haveria ‘neutralização’ se alguma medida impedisse ou anulasse emissão de poluentes”.
Há também, acentua Zagallo, a questão do impacto social em Bacabeira e Rosário, tratado com ligeireza no documento da empresa. Hoje esses dois municípios possuem 32 mil habitantes e uma infra-estrutura urbana não mais que precária. A fábrica atrairá 15 mil trabalhadores na fase de construção e até 45 mil na de operação, conforme as previsões da CSM. Mas o projeto não cuida sociais compensatórias, como a construção de um hospital público, por exemplo. Ou mesmo de um presídio, já que uma das conseqüências menos desejáveis dessa explosão demográfica, ainda mais em tais condições de pobreza e desassistência, será um brutal aumento na violência e na criminalidade.
http://www.walter-rodrigues.jor.br/
Publicada em: 26/10/2007
Por: Walter Rodrigues
(Edição Final do Rosário Notícias: apenas acrescentou mais dados que constam na ata da audiência de Rosário).
A Notícia também foi públicada por http://www.forumcarajas.org.br/noticias2.php?id=733
Foto: Renato Waquim (Rosário Notícias)
O Forte é um patrimônio que virou simbolo do descaso a exemplo da estação.
ResponderExcluirDados do IBGE mostram que a vazão do Itapecuru, que há 10 anos era de 200m³ por segundo, está hoje em apenas 140m³ por segundo. E com esse projeto??? Alô Othelino Neto enquanto você estar oculpado vendendo calcinhas no SEMA o rio itapecuru estar morrendo.
ResponderExcluirEssas contradições mostram o quanto o governo não sabe o que faz, estão é com medo da repercursão da perda siderúrgica chinesa.
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